Questões sobre trechos do livro Meditações Metafísicas de Descartes
Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o que nele restava de sabor exala-se, o odor se esvai, sua cor se modifica, sua figura se altera, sua grandeza aumenta, ele torna-se líquido, esquenta-se, mal o podemos tocar e, embora nele batamos, nenhum som produzirá. A mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confessar que permanece: e ninguém o pode negar. O que é, pois, que se conhecia deste pedaço de cera com tanta distinção? Certamente não pode ser nada de tudo o que notei nela por intermédio dos sentidos, posto que todas as coisas que se apresentavam ao paladar, ao olfato, ou à visão, ou ao tato, ou à audição, encontram-se mudadas e, no entanto, a mesma cera permanece.
DESCARTES, René. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 97.
Comecemos pela consideração das coisas mais comuns e que acreditamos compreender mais distintamente, a saber, os corpos que tocamos e que vemos. Não pretendo falar dos corpos em geral, pois essas noções gerais são ordinariamente mais confusas, porém de qualquer corpo em particular. Tomemos, por exemplo, este pedaço de cera que acaba de ser tirado da colmeia: ele não perdeu ainda a doçura do mel que continha, retém ainda algo do odor das flores de que foi recolhido; sua cor, sua figura, sua grandeza são patentes; é duro, é frio, tocamo-lo e, se nele batermos, produzirá algum som.
DESCARTES, René. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 97.
Mas o que é de notar é que sua percepção, ou a ação pela qual é percebida, não é uma visão, nem um tatear, nem uma imaginação, e jamais o foi, embora assim o parecesse anteriormente, mas somente uma inspeção do espírito, que pode ser imperfeita e confusa, como era antes, ou clara e distinta, como é presentemente, conforme minha atenção se dirija mais ou menos às coisas que existem nela e das quais é composta.
DESCARTES, René. Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 97.